domingo, 29 de março de 2009

Sidônio e Deolinda

- De onde tu és? - perguntou Deolinda.
- Sou da Guarda.
Ingênua malícia no olhar, ela sussurrou no ouvido de Sidônio Rosa:
- Tu és o meu anjo-da-guarda.
O riso dela ganhou espessura, inundando-lhe o corpo. Depois, o corpo já não lhe bastava e ela se encostou nele. O português viu as suas defesas desmoronarem. Os braços dele envolveram-na, a medo. Quando deram conta, estavam enleados, sem saber que parte pertencia a um e a outro. A Praça do Rossio, em Lisboa, ficou, de repente, despovoada. Um homem e uma mulher trocavam beijos e o seu amor desalojava a cidade inteira.
- Tens medo de fazer amor comigo?
- Tenho - respondeu ele.
- Por eu ser preta?
- Tu não és preta.
-Aqui, sou.
- Não, não é por seres preta que eu tenho medo.
- Tens medo que eu esteja doente...
- Sei prevenir-me.
- É porquê, então?
- Tenho medo de não regressar. Não regressar de ti.
Deolinda franziu o sobrolho. Empurrou o português de encontro à parede, colando-se a ele. Sidônio não mais regressaria desse abraço.

Venenos de Deus, Remédios do Diabo, Mia Couto

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