domingo, 31 de maio de 2009

No bar da Déia

Um brinde!
Agui: - Peraí, deixa vir a Caipira dela!
Haviam passado por mil experiências. Foram casamentos interrompidos, amores deixados, novas possibilidades surgindo, problemas, frustrações e alegrias...
Um copo a mais de caipira...
Agui: - Eu não ficava com ninguém, fazia festa, saia com tudo mundo, mas era certinha, nunca ficava com ninguém!
Gi: - Nunca ficava com ninguém? Nem o Januário?
Agui: - Nem o Januário.
Gi: - É, tá certo! Aquelas marcas no pescoço, aquele cabelo esculhambado... É, tá certo, não ficavas com ninguém!!!
- É, não ficava com ninguém.
Todo mundo ali seguiu sua vida.
Uma casou, foi morar no exterior, depois voltou, e aí veio a separação, a partilha dos bens, partilha bem desigual... e a falta de grana. Não quis voltar pra casa dos pais. Acabou ficando em São Paulo. Trabalhou numa multinacional durante um tempo, mas aí veio o desemprego. Agora trabalha em eventos, viajando por quase todo o Brasil. Mas é "foda", segundo ela, porque há meses em que não rola nada e a coisa aperta. O legal é que sempre arruma um tempinho para visitar a mãe, porque o pai já morreu. Nessa, sempre acha um modo de ligar pras amigas, visitar, deixar uma lembrança dos locais por onde anda... Nossa! Como ela é leve!
A outra também casou e foi pro exterior. Depois voltou, separou, casou novamente, teve uma filha... É professora de inglês. Uma ótima professora, mas segundo ela, professora... Perdeu a mãe quando tinha uns 20 anos. De câncer. Ficaram ela, duas irmãs mais novas e o pai.
Gi: - Eu tô desde fevereiro sem receber porque o estado me apagou do sistema... então tô no vermelho, mas a tia, a irmã do meu pai, tem uma filha que era professora. A minha prima era professora, mas daí a minha tia ajudou e ela deixou de ser professora... Os meus avós morreram!
Adri: - Os teus avós morreram? Quanta coisa a gente fez na casa da tua vó! A gente saía da praia e se juntava na varanda com um pote de pipoca. Daí os surfistas faziam uma roda ali. Nossa, era uma coisa!
Agui: - Se era! O André de Biase... Sabe o André de Biase? Ele ia ali, e na época ele ainda tinha cabelo. Tempos áureos!!! Tu ainda era pequena.
Deby: - Eu era criança ainda.
Gi: - É verdade, como tu cresceu! O que tais fazendo?
Tanta coisa eu podia contar. Namoro, viagem, casamento, mestrado, retorno, separação...
Gi:: - Tais separada? Tu não era casada com um loiro?
Deby: - Sim, a gente se separou, mas agora voltamos. Ele tá em São Paulo, mas estamos retomando... Sou professora também, de história. Vou tentar o doutorado e ir pra lá, ou pra Portugal. É um sonho.
Gi: - Eu morei três anos em Portugal, é lindo! Mas daí voltei.
Adri: - E nunca mais visse o Robson?
Gi - O Robson não vi mais. Ele viajou, tá na Itália. Casou. Ele é gay.
Deby: - Ele casou com um gay?
Gi: - Não, ele casou com uma mulher mais velha, lá na Itália, mas é gay.
Deby: - Como assim?
Gi: - A minha irmã sempre disse que eu é que não enchergava. Daí ele mandou um e-mail pro amigo que caiu errado na minha caixa. Dizia pro amigo que sentia muito a sua falta e que o amava... Eu não sei como aquilo foi parar ali! Ele é gay.
A outra também casou, teve filhos e separou. O ex-marido era um polha e só sabia fazer sacanagem. Ficavamos às vezes pensando como o cara podia ser tão babaca. Ela trabalhava com setor financeiro, mas tava despempregada já há um bom tempo. Resolveu pedir demissão para trabalhar com um cara que conhecia e o imbecil a demitiu em dois dias. Até agora ficava tentando entender a razão. Quando a proposta foi dada, pediu que saísse o mais rápido possível. Ela saiu, não chegou nem a ter direito ao seguro desemprego, saiu. Daí em dois dias o cara a demitiu. Tá levando um processo nas costas. O resultado ainda vai demorar, mas tomara que dê em algo.
Adry: - Tens visto a Marta?
Gi: - A Marta? Gente a Marta foi viajar, foi fazer o doutorado em Paris, lá naqueles negócios de igreja, teologia, sei lá. Só que ela chegou lá e a mãe dela morreu.
Agui: - A mãe da Marta morreu? A minha mãe nem tá sabendo disso!!!
- Morreu de que?
Gi: - Morreu de infarto?
Deby: - De que? De vácuo?
Essa caipirinha...
Gi: - Não sei do que ela morreu, mas ela morreu, daí a Marta teve de voltar pra enterrá-la. E logo depois eu passei na frente da casa dela e eles tavam dando uma festa, uma festa chique, com mesa posta. Nunca mais falei com ela. O pai dela tá com Alzeimer. Não sei o que ela tá fazendo! Eu sou professora. Eu adoro ser professora.
Agui: - Eu não sabia que a mãe da Marta tinha morrido.
Gi: - Gente, eu vou dizer uma coisa pra vocês. A minha prima era professora, mas daí a minha tia deu ajuda pra ela. Então ela deixou de ser professora. Ela tá bem feliz. Mas eu também sou professora. Eu sou feliz, eu adoro a minha profissão! A minha tia, a irmã do meu pai, ela deixou pra nós, pras minhas irmãs, a parte dela na herança da minha vó. Porque a minha prima era professora e ela ajudou!
Deby: - Como assim, ela te deixou a herança?
Gi: - É porque os filhos já estão bem. Então como a minha mãe morreu e o pai... Ela deixou a herança pra nós. E essa semana terminou o inventário. Eu rezo pra ela viver bastante, porque a minha mãe morreu e ela é quem ajuda todo mundo. Mas ela é muito doente, então eu rezo pra ela ter bastante saúde, porque o meu pai não fica doente... Eu vou dizer uma coisa pra vocês. Fazia tempo em que eu não me divertia tanto. Tomei três caipiras. Eu tô bêbada mas eu tô lúcida. Eu rezo. Rezo pra minha tia ter bastante saúde, porque o meu pai não fica doente...

sexta-feira, 29 de maio de 2009

Sexta-feira

Ficava parada, tentando entender por qual razão o dia amanheceu tão cinza.
Procurava lembrar as vezes em que o coração bateu acelerado, encantado por tanta delicadeza.
Insistia em retornar, à vida, ao amor, à tranquilidade, à certeza.
Mas já fazia um bom tempo que não tinha certeza de nada...
A voz lhe dizia, mas os sinais significavam o contrário.
Não tinha mais 20 anos, e toda aquela beleza da juventude, e toda a força de alguém que ainda tem muito pra viver, dando pouca importância pra dor.
E como lhe causava dor, aquilo tudo.
Momentos felizes, lembranças que não conseguiam ser apagadas.
Sentia-se enganada, e todos os dias, convivia ao lado dos fantasmas.
Virou uma louca descrente e sozinha, acompanhada dos fantasmas.
Apertava o travesseiro, mordia, dava socos na cama.
No sono, gritava!
E enquanto observava o mundo, cheio de esperança, lutando e lutando e lutando, não conseguia sair do lugar...
Esquecer, recomeçar!

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Vazio


Existem dias em que a gente não consegue nem ao menos sentir...
Não sei por qual razão essa ausência faz o papel ganhar contornos.
O céu azul não diz nada; a brisa, torna-se um vento forte; o mar calmo, ressaca.
Ainda quando tudo isso se confunde, é possível sentir.
Ainda que o azul esteja ali, e a brisa e o mar, mesmo que vistos de maneira disforme,
existe um sentir.
E quando tudo isso não é percebido?
Esvaziamento...
Confusão!
O choro não é suficiente, porque nem mesmo conseguimos explicá-lo.
As linhas preenchidas do papel, não dizem nada e nada.
E os desejos vão desaparecendo.
Sintra fica cada vez mais longe, e Évora, e Coimbra.
O longo prazo cansa, e o apartamento pequeno vai ficando cada vez maior, sem vida.
Não importa o quanto aquele gato de pêlo preto se deite ao chão, fazendo graça...
Sintra está longe, e Évora, e Coimbra, e aquele outro ser de pêlo preto, junto com seu dono...

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Sentir

Um gosto retorna à boca, a pele encontra a mão.
Saberia descrever todos os contornos,
E nem mesmo a tempestade faria desaparecer os cheiros.
Se os olhos são o mel, o sorriso é o dilúvio,
Leva pro outro lado do mundo quantidades de mar.
E num mergulho profundo, desliza ao lado dos cavalos marinhos,
Tão coloridos e fortes quanto aquilo tudo que lhe traz vida.