sábado, 22 de agosto de 2009

Novo olhar

Já passou do meio do ano. Enfim o final está chegando.
Ainda é agosto e o cheiro do verão paira através da lembrança.
Planos, planos e planos. Contagem de tempo, de horas.
Está ansiosa. Pensa nas duas aplicações de quimioterapia que ainda faltam.
Não sabe de seus sentimentos.
Quer que aquela mulher, agora presa, liberte-se.
Quer que a outra, também presa, descanse.
Mistura compaixão ao cansaço. Nessa confusão, confunde seus desejos.
Está transformada. Quer crescer, fazer algo, mudar de vida...
Teme tanta coisa e ao mesmo tempo já não tem medo de nada.
É capaz. Mergulha nos livros, no projeto de vida, na vontade de ter filhos.
Vê-se por dentro, confrontando suas angustias com a lógica e o bom-senso.
Deleita-se com os novos olhares sobre a cidade que tanto repudiava.
Vê gente sendo feliz.
E aquela criança de nem dois anos se encanta com o cão negro, forte, tão maior que o seu frágil corpinho.
Afaga, diz "au, au!" Como será que ela o enxerga?
Diferente de muitos, certamente, porque a vida ainda não lhe fez temer o desconhecido...
Enquanto isso as pessoas passeiam, com seus pares, com seus filhos, com seus animais de estimação.
Circulam procurando o verde pequenamente presente na cidade de concreto.
Mas eles estão ali, de mãos dadas. Novamente de mãos dadas, compartilhando alegrias, angústias, momentos futuros incertos...
Vida, vida e vida que quer mais. Vida que acredita, que se dá ao direito de uma segunda chance.
Momentos que provocam faíscas, que acendem o fogo, e que com um "cadinho" de paciência, amizade, companheirismo, compreensão, podem fazer o inverno se transformar em verão.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Sonho

Tentava reunir o que não prestava. Eram caixas e caixas de coisas guardadas. Todas elas coloridas, cheias de objetos, papéis, adereços e significados.
Tinha que escolher cada um deles para colocar fora. Era difícil, mas percebia que era a saída.
Juntava tudo num saco. E lá ao longe, no terreno baldio, depositório de tudo que devia ser deixado, colocava.
Lugar de experiências, de infância, de brincadeira.
Mas o menino estava ali, apontando sua flecha e tendo ela como alvo.
Não podia se machucar no momento. Ainda havia muita coisa para deixar e arrumar.
Tentou jogar um pouco das coisas na privada, dar descarga, mas algumas ficaram boiando. Tudo molhado, sem possibilidade de uso, então teve de retornar ao terreno para colocar fora ainda mais... Exigiam que ela se desfizesse de toda a tralha.
O menino estava lá, junto com outros, brincando. Queria pra ele aqueles objetos jogados no lixo.
Não conseguia entender por qual razão aquele carrinho sem roda o encantava. Ele dizia: - Não tem problema! É um carrinho grande, sem rodas mas grande! Dá pra brincar.
Ela, contudo, não admitia que ele quisesse um carrinho tão avariado. Então prometeu trazer-lhe um novo, tão novo como aqueles que desejou quando era pequena e que sua mãe nunca lhe dera.
Ela voltou para terminar de arrumar tudo, e isso sem esquecer de que precisava comprar um carrinho para dar ao menino.
Tinha uma companheira, jovem, cheia de planos e compromissos.
Queria conversar com ela, explicar que não conseguia jogar tudo fora.
Mas a garota seguia em frente, falando ao celular com todos que a ligavam.
Seu ritmo era diferente, da juventude...
E enquanto seguia a garota, que andava pelas ruas falando ao telefone montada numa bicicleta, mal conseguia perceber a paisagem, as casas construídas recentemente e cheias de inovações.
Uma delas, teve tempo de perceber. Tinha um mar no telhado. Era linda, sugeria muita coisa. Mas ela sabia que por atrás daquele mar havia o abismo cheio de concreto. Enquanto isso a garota corria cada vez mais, sumindo em vista das curvas e da descida do morro.
Pensou então: o que me prende a esta pessoa, com planos tão diferentes dos meus?
Sentiu-se aliviada. Não precisaria ficar ali, ao lado dela. Estava de partida pra recomeçar sua vida, e aliviada, ficou feliz com sua decisão. Via agora sentido para esvaziar as caixas coloridas e até mesmo ter de deixá-las para trás.