terça-feira, 19 de outubro de 2010

Inexistência

Às vezes me pergunto por qual razão você me esconde... (de sua vida pública, de suas relações de amizade, de suas alegrias compartilhadas).
Palavras de amor que no trajeto de nossos dias cada vez mais não passam de palavras.
Sinto que não existo para além do universo criado em torno de nossos corpos.
Sinto-me sozinha de você, pensando se de fato existe, este amor que afirmas ter.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

2006

Foi um ano difícil, aquele, em que os sonhos pareciam nunca ter existido, e a certeza da mão ao lado, a estender-se, também deixou de existir.
Foi um ano difícil aquele, de descobertas de desvelos, em que a pele tocada já não provocava sensações.
Não consigo mais, meu amor, porque novamente me sinto como naquele ano, só que agora mais cansada pra acreditar que o tempo consegue resolver qualquer questão.
Sinto-me enfraquecida demais para compreender o que não compreendo, e tentar o que nunca consigo, e insistir em algo que talvez não deva ser.
Sonhei com a barriga que não cresceu, como o vestido de noiva que não vesti, com sei lá o que mais...
Mas é possível que haja razão para a barriga não ter crescido, para o vestido não ter sido ao menos provado, já que o pedido de casamento também não passou de um pedido.
Quem sabe dizer?
Talvez eu não tenha conseguido mesmo perceber você tão profundamente ao ponto de saber exatamente o que querias em cada hora do dia.
Tentei mesmo, acredite, mas neste instante, já não consigo mais.

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

02:49 h

Ele sai às 09:30 h. Ansioso. É o último dia. Já é o terceiro e logo tudo termina.
Não sabe se vai voltar pra almoçar, mas avisa. - Se voltar, te ligo, entendeu? Só seu eu for almoçar em casa, do contrário não vou ligar!
Ela afirma que entendeu, e durante o dia inteiro fica a fazer suas coisas. Dia cheio, mas nem tanto quanto o dele. Não teve que organizar durante meses um evento deste porte. Na verdade precisava apenas colocar as leituras em dia, do doutorado, do inglês, e se preparar para ir mais tarde sozinha num lugar que nem conhecia. É. Já tava na hora de ela se aventurar na cidade. Se forçava, porque vontade...
Durante o dia, ela volta e meia pensava como estava lá, se ele estava cansado, feliz com o resultado de tanto trabalho. Pensou até em enviar um recadinho pelo celular. Por outro lado pensava: sabe-se lá se ele não vai achar pegação de pé.
Fez tudo certinho, estudou, cuidou dos bichos, resolveu deixar ele bem sossegado e não incomodar com qualquer telefonema. Da aventura pela cidade, voltou cedo, mas estava tão quebrada que só pensava em cair na cama.
Ups! O telefone tocava. Era ele, às 22:00 h, dizendo que o dia tinha sido bem legal e que agora todos iam se reunir para comemorar. Rolou um convite: - Vou passar aí pra te pegar! Mas ela tava mesmo cansada, e achava que ele tinha de curtir com os amigos. Resolveu ficar em casa, viu um filminho que há tempos tinham assistido juntos, de romance, daqueles que o final é feliz e que ela fica bem faceira. Também fez um lanchinho, deu comida pro cão, pros gatos. Resolveu ir dormir. Já era quase 02:00 h. Nossa, fazia 16 que ele estava fora de casa, mas como tinha dito que logo voltaria, adormeceu.
São 04:00 h, cadê ele? Devo ligar? Ai que angústia...
São 04:20 h, vou ligar! O telefone chama, chama, chama.
Faz um café, fuma um cigarro.
São 04:40 h, vou ligar novamente! O telefone chama, chama, chama.
Toma mas uma xícara de café, fuma mais um cigarro.
São 5 horas, vou ligar de novo! O telefone chama, chama, chama.
Puta vida, só vem merda na cabeça. Será que aconteceu alguma coisa?
Ela chama o cão para junto dela. Dá mais comida, já que ele não veio em tempo de fazer isso.
O cão fica ali com ela, cheio de saudade, lambendo-lhe a mão. Ela tá tão preocupada que nem liga pra baba dele na pele. Quanta porcaria passa na cabeça. Se ele não voltar até clarear não sabe o que deve fazer. Ligar pra polícia? Achar o telefone de algum amigo que pudesse estar com ele?
Chora!
São cinco e meia da manhã. Finalmente chega. Ela sente alívio. Treme até não se aguentar mais.
Ele entra e se desculpa, diz que passou da conta, mas que deixou o telefone no carro.
Ela pensa: putz, será que era impossível pensar em dar um pulinho pra pegar o telefone, mandando-lhe uma mensagem apenas para dizer que ia mesmo demorar, mas que tava tudo bem?
Fumou mais um cigarro. Tomou um banho e foi deitar. Ele até tentou uma conversa. Mas ela tava tremendo tanto que disse que seria melhor ficar pra depois. Ainda assim, não conseguiu dormir. Levantou da cama uma vez, e mais uma, e mais uma.
Resolveu colocar pra fora o que tava sentido, não pra ele, é claro.
Não entendia mesmo por qual razão ele não lembrou de ao menos mandar uma mensagem pra dizer que tava bem.
Chegou às cinco e meia da manhã. Mas o comprovante do pagamento da conta marcava duas e quarenta e nove. O que pode acontecer entre um horário e outro de tão importante ao ponto de impedir alguém de mandar uma mensagem pra esposa apenas pra dizer que está bem?
Ela ainda não sabia. Passava das onze da manhã e ela se prendia escrevendo isso tudo, angustiada pela suposta resposta que poderia escutar, mas isso se tivesse coragem de perguntar...
É, de fato ela sabia. Sabia que ele tinha saído de casa às nove e meia da manhã e que por volta das dez da noite decidiu celebrar com os amigos. Sabia também que nas exatas duas e quarenta e nove a conta do bar foi paga (e que o bar fechava as portas às 03:00 h). O resto, já não tinha importância... Isso porque ele iria dizer a ela que após sair do bar resolveu dar uma esticadinha com os amigos, indo a outro.
É! Isso de fato não teria tanta importância, a menos que ele não tivesse esquecido de lhe avisar da demora; a menos que ela não tivesse encontrado em suas coisas, a sugestão de algo mais.
Ela sentia-se exaurida. Sabia, que de certo, ele não a amava mais, e temia não ser mais capaz de continuar amando.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Apenas

Ela não sabe o que traz nas mãos, mas a pele arde
Gritaria para o mundo, esse amor, mas a fala some
Está cansada de calar a todos, as séries impunes
E se perderia em seus braços, caso não estivessem longe

Não compreende como foi, meio de lado, entregar-se
Já que ele, ao contrário, não se entregou
Mas eram as súbitas horas que contavam
E passavam e voltavam...

Por outro lado, num outro mundo, reconstruía os sonhos
E quase sempre não conseguia ver razão, deixou de crer
Desejava apenas estar ao lado, sem algo mais
Supostamente e em seus braços, adormecer.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

Não dá mais...

Jackson Pollock, Mobydick Blue, 1943
Agora, o gosto amargo da saudade!
A vontade de dizer tudo aquilo que não disse,
e de deixar de dizer tudo aquilo que foi dito.
Agora, as entranhas ardem!
A súbita consciência do não poder mais.
O sono, quase sempre, intranquilo,
faz-se morada dos "pensamentos tortos"...

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Por onde ir

Quantas surpresas mais haveria de ter?
Tantas imagens pintavam a vida através daquilo que lhe foi dito, omitido, vivenciado, descrito?
Uma casa em ruínas, já ao chão! Tombada!
Se perguntava por qual razão não haviam lhe dedicado algumas linhas...
Se perguntava qual o motivo de estar ali, se não era ela quem provocara um sentimento indescritivelmente arrebatador.
Muda, olhava-se no espelho.
Só conseguia lembrar do choro da mãe que acabara de perder sua filha.
Ficava à espera, e não sabia do que.
A casa estava povoada pelo fantasma da mulher tão minuciosamente descrita.
Passado! Que retornava e retornava e retornava nos resquícios de uma história de amor que não fora a personagem principal.
E a casa, essa já não podia ser habitada pela possibilidade do novo. Isso porque os vestígios da linda mulher permaneciam ali, escondidos, propositalmente espalhados, talvez, de forma que a qualquer instante ela pudesse, novamente, ocupar o lugar que nem ao menos ajudou a construir.
Era uma linda tarde. Iluminada e silenciosa.
E ela só queria encontrar o telefone da senhora que morava em frente de casa, perguntar à velhinha se era de seu agrado alguns pães.
Mesmo. Algumas coisas são inexplicáveis e causam dor. Como o choro da mãe que acabara de perder a filha; como preferir o silêncio ao contrário de decidir partir.
Se ao menos fosse possível encontrar a filha que a mãe acabara de perder, essa que também era mãe e que acabara de deixar a filha, de igual forma, a chorar...

segunda-feira, 29 de março de 2010

O gorro bordado

Estou triste, tremendamente triste, tão triste que chego a sufocar. Tenho medo de morrer , mas ao mesmo tempo, tenho vontade. Como será que é? Queria tanto acreditar que há um outro mundo... Talvez por isso as pessoas se apeguem tanto a Deus. Ele dá alento nessas horas em que a dor beira ao desespero.
Ela partiu. Dia 14 ela se foi. Ainda posso sentir o calor de suas mãos. Ainda posso vê-la sufocar...
Por agora uma saudade imensa. Não sei ao certo. Uma revolta por não ter ouvido dela aquele grito que eu gostaria de dar.
O que querem de mim? Ser esposa, dona-de-casa, mãe de família? Ser amante, secretária, motorista, um computador inteligente que antecipa os estímulos?
Ele não ouviu o meu grito de socorro. Terminou o almoço, levantou-se da mesa e foi trabalhar ou estudar ou trabalhar e estudar. E como a vida, tudo se desfaz. Já são seis horas da tarde e eu estou aqui, desfeita. Pelo menos vou ficar com o sorriso da velhinha, que carregava na cabeça um gorro igual ao daquela que se foi.
Mãe, hoje sonhei com você. Estavas de pé, na sala, a sala de nossa casinha no Estreito. Fazias tudo, tudinho. De trás da porta, por uma frestinha, eu consegui ver você, de vestidinho no joelho, deixando metade das pernas à mostra. É mãe, o tumor não estava mais ali. Só havia umas leves cicatrizes, sabe? Daquelas que não causam nem dor. Fiquei feliz por ti, porque agora, sem aquele tumor na perna, talvez você possa fazer novamente o que mais gosta. Para muitos, entrar numa igreja e rezar. Para mim, poder "bater perna" na cidade, longe de todos para quem não tens (tivestes) coragem de dizer não.
E de longe, a velhinha com o gorro bordado acenou e deu mais um sorriso.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Não posso (quero)

Já ouvi dizer que somos frutos de nossa educação!
Assim, todas as nossas atitudes deveriam ser explicadas por ela?
Quando pequena a vida familiar era regida pela religião. Era uma oração para acordar, outra no almoço diário, uma outra no café da tarde, as novenas quando a noite despontava e ao dormir, mais uma oração.
Domigo tinha missa. E ai de quem não fosse! Para isso havia uma punição. E ela não era apenas ficar de castigo por não ter reverenciado a Deus neste dia sagrado. Era também aquela vinda do alto, talvez acumulada ao longo dos dias e que não seria paga em vida, mas na hora de respondermos a tudo o que fizemos quando fosse chegada a morte.
Alguns momentos eram gostosos. Mas esses, sempre com um "q" da vida mundana. As reuniões de pais de família em torno da oração e da fartura na mesa. As piadas que vez por outra quebravam as regras da vida cristã. Minha mãe era a primeira a soltá-las, e elas eram sempre seguidas de gargalhadas recompostas pelos guardiões da vigília.
O que ficou disso tudo, pelo menos pra mim, não foi o amor, mas o medo. Seria possível contruir uma vida em torno do medo?
Lembro das vezes em que a casa estava cheia. De fato ela sempre foi muito acolhedora. Eram bolos, sonhos, broas feitas pelas mãos da rainha do lar. Ela era mesmo querida! Às vezes chegavam pessoas que há tempos não apareciam lá em casa. Eram visitas mesmo queridas. Eu era pequena. Eu não entendia por qual razão aqueles momentos não eram suficientemente importantes para lhe deter. Então, perto das cinco da tarde um pedido de licença: - Agora é hora da missa. Tenho de me retirar. Vocês podem ficar à vontade, logo retorno!
Isso era tão estranho pra mim! Como algo podia ser mais importante que aqueles momentos em conjunto, quando amigos se reuniam para matar a saudade, conversar, compartilhar coisas da vida? O que era vida pra mim não era pra ela!
Foi preciso a idade chegar, os estudos, a faculdade, pra que eu não fosse mais à missa. Demorou muito pra eu ter coragem de dizer que aquilo tudo não fazia sentido pra mim. Enquanto isso, ela se tornou a referência, o apoio de todos, a mão amiga, a que sempre dizia sim.
Em torno dela, a família se constituiu, aumentou, tomou corpo, e se fragmentou.
E a ela sempre Deus correspondia.
Históra fantásticas poderiam ser contadas...
A mão de Deus que foi vista, a cura de uma doença incurável, os pedidos atendidos.
Mas parece que aquele cuidado com a vida não foi contemplado. Tudo seria mais importante, até mesmo mais importante que ela.
Hoje, os irmãos brigam entre sim. Estigmatizam uns, ferem outros, e não conseguem perceber a importância que certas coisas têm em relação a outras.
Não se pode obrigar que a família perceba que agora, nada poderia ser mais importande que estar ao lado dela. Mas aí vem o trabalho, os filhos, os compromissos diários (in)substituíveis.
O "não posso" se transformou em regra. O modelo prevaleceu. Somos mesmo fruto da educação que temos. Não podemos obrigar que as atitudes sejam conscientes, que todos sejam capazes de crescer, ter bom-senso, transcender os fazeres para além do que foi dado.
Enquanto isso, ela fica lá.
Já não sabe no que pode crer, afinal, o seu Deus dessa vez não lhe deu respostas, solução.
Muitos estão ao lado dela, que na cama de um hospital se encontra quase desfalecida. São os mais afastados que insistem em lhe dar alento. Percebem a importância que tem em relação a outras coisas. Querem compartilhar mais um bocado de sua companhia, mesmo que inerte, ausente.
A família, o seu núcleo, ao contrário. Da parte deles uma frase se tornou regra: - Não podemos (queremos)! Quando pudermos (quisermos)...
É. Talvez ela não esteja mais lá, assim como as visitas deixadas de lado no passado.
Mas o que pode ser mais importante que a vida? O que pode ser mais importante do que aproveitar o quinhão de tempo que resta para talvez lembrar das coisas boas que viveram juntos? Não sei dizer... Também não posso (quero) estar ao lado dela. E viverei o resto de meus dias (in) consciente disto.
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- Mãe! Lembra da história do pardal e do canarinho que você cantava pra mim quando era criança?
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Essa é a história de dois passarinhos, de um pobre pardal e um rico canarinho:
O pardal estava querendo bater um papinho com o canarinho, bem pertinho chegou, na sua gaiola e assim se expressou!
- Escuta aqui, ô meu chapa! Quer me dar um pouco do seu milho?
- Eu não como milho. Eu como é folhas de alface com ovos cozidos. E fique sabendo, vá caindo fora que eu não gostei do seu palavriado paupérrimo!
O pardal, pedindo desculpas, saiu humilhado com aquela resposta que lhe deu o canarinho malvado.
Pouco dias depois chegou a primavera, cheio de encanto e novidade. O galho seco, lar do pardal, floriu profundamente.
Quase chorava, vendo o pardal voando, aproveitando a primavera que vianha surgindo.
E o pardal tão bondoso, não lhe guardou rancor. Foi levar na gaiola do canário malvado uma flor. Era a flor da amizada, que lhe dava a noção, que não há pobre nem rico quando existe no peito um bom coração.
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Bjos Mãe. Posso ouvir a sua voz cantando essa história pra mim.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Fim de tarde

É tão estranho ver o corpo presente ir sumindo aos poucos...
Ainda hoje recordava das tardes de temporal em que se reuniam para tocar violão em frente de casa! Sua voz era bastante melódica, cheia de doçura e vida, mesmo diante daquela em que se encontrava, tão absurdamente entregue à incapacidade de sentir desejos. Ela era uma mulher muito bonita...
Hoje, agarrava-se à crença no seu Deus, o mesmo que tentou impor a todos, mas de fato não conseguiu. Queria ela entender como sua fé não respondia, mesmo continuando a dizer que sim. Enquanto isso, a doença ia lhe tomando o corpo, percorrendo todo o seu sangue e pele e cheiro. Do lado de fora alguém ansiava, vertiginosamente, por um grito que dessa àquela mulher um pouco de humanidade: raiva, desespero, revolta...
Enquanto isso apenas ouvia: - eu sei que vou ficar boa! Como seria diferente acreditar...
E a vontade era de gritar por ela, de desespero, incapacidade, revolta diante da imagem do corpo desfalecendo. Estava meio perdida, hoje, talvez porque a tarde findou com uma bela tempestade sendo anunciada ao longe. Mas a cidade era tão estranha e faltava-lhe tanta gente ao lado...
Queria ter podido sentar na frente de casa ao lado da mulher, ouvindo-lhe tocar. Quem sabe até, como fazia ainda menina, tentando lhe imitar a voz:

Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito, ainda mora
E é por isso que eu gosto, lá de fora
Porque eu sei que a falsidade não vigora

A minha casa fica lá detrás do mundo
Onde eu vou em um segundo
Quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa
Quando começa a pensar

Felicidade, foi-se embora...