segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Fim de tarde

É tão estranho ver o corpo presente ir sumindo aos poucos...
Ainda hoje recordava das tardes de temporal em que se reuniam para tocar violão em frente de casa! Sua voz era bastante melódica, cheia de doçura e vida, mesmo diante daquela em que se encontrava, tão absurdamente entregue à incapacidade de sentir desejos. Ela era uma mulher muito bonita...
Hoje, agarrava-se à crença no seu Deus, o mesmo que tentou impor a todos, mas de fato não conseguiu. Queria ela entender como sua fé não respondia, mesmo continuando a dizer que sim. Enquanto isso, a doença ia lhe tomando o corpo, percorrendo todo o seu sangue e pele e cheiro. Do lado de fora alguém ansiava, vertiginosamente, por um grito que dessa àquela mulher um pouco de humanidade: raiva, desespero, revolta...
Enquanto isso apenas ouvia: - eu sei que vou ficar boa! Como seria diferente acreditar...
E a vontade era de gritar por ela, de desespero, incapacidade, revolta diante da imagem do corpo desfalecendo. Estava meio perdida, hoje, talvez porque a tarde findou com uma bela tempestade sendo anunciada ao longe. Mas a cidade era tão estranha e faltava-lhe tanta gente ao lado...
Queria ter podido sentar na frente de casa ao lado da mulher, ouvindo-lhe tocar. Quem sabe até, como fazia ainda menina, tentando lhe imitar a voz:

Felicidade foi-se embora
E a saudade no meu peito, ainda mora
E é por isso que eu gosto, lá de fora
Porque eu sei que a falsidade não vigora

A minha casa fica lá detrás do mundo
Onde eu vou em um segundo
Quando começo a cantar
O pensamento parece uma coisa à toa
Mas como é que a gente voa
Quando começa a pensar

Felicidade, foi-se embora...