segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Que Deus?

Lutava contra tudo.
Contra aquela criança que insistia em não crescer,
Contra aquela senhora que teimava em ficar de pé,
Contra a mulher para quem seu Deus lembrou de esquecer.
Pensava em tanta coisa.
Na garota que descobriu o amor,
Na mulher que se sentiu amada,
Nas fotografias que a fizeram ver.
Queria ser maior.
Esquecer de tudo, como quem perde a memória,
E recobrar a lembrança daquilo que era bom.
Ter força pra agüentar a perda,
Direção para acertar o rumo,
Certeza de um recomeçar.
Mas havia o homem e a sua austeridade,
Que nem mesmo abrigo garantiu lhe dar,
Cheio de zanga diante da morte, e que também por isso,
Deixou de acreditar no Deus que se esqueceu de lembrar da mulher.
E ainda havia tanta coisa...
A amiga, sumindo aos poucos,
O ventre, sem preencher,
As dores que permaneciam,
E o vazio, e o vazio.
Lutava contra tudo e queria ser forte,
Para esquecer das linhas que não foram escritas pra ela,
Acreditar na volta do amor que a deixou,
E tudo isso é nada, diante da história do moço que apanhava da mãe,
Do avô que morreu de lepra, deixando a moça sem um par,
Da mulher que lhe deu a vida, mas acabou envelhecendo e não conseguiu mais ficar de pé.
E tudo isso é nada,
Diante das armadilhas,
Diante da incapacidade de não responsabilizar ao Deus que não crê,
O Deus, aquele mesmo que a mulher tanto acredita,

Aquele mesmo que lembrou de lhe esquecer.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Três sem um

A casa parece tão desarrumada... Nem bem acabaram de arrumar o banheiro e as louças já estão caindo. Luz, não há, apenas luminárias postas sem nenhum cuidado estético. Tem box, e é novo, mas ele mais parece uma daquelas cortinas que grudam na pele enquanto a água escorre. A casa está mesmo uma bagunça. Tanta gente que nem consegue reconhecer. A velha caminha de um lado pro outro, rapidamente, recolhendo a sujeira que está no chão, as roupas que foram deixadas pra lavar. Como ela é ágil! Não pode ser! Não é ela que nem ao menos consegue tomar banho sozinha? Está tudo mesmo uma bagunça. São imprevistos que a impedem de ir pra frente. O fim de semana não é dela. E o irmão agonizando no hospital não importa. Desesperadamente, tenta encontrar um caminho. E a rua, ergue-se em explosões, atingindo a todos. Como num movimento de refugiados, eles tentam escapar. Mas ela está sozinha, perde os contatos ao desviar dos buracos do chão. Não conhece ninguém, mas vê a velha caminhando junto aos outros. É preciso voltar! Acompanhá-la! Não deixar que se perca diante da multidão. Perde o olhar! Vê aquela que sacaneou o amigo se dar bem. E tem a capacidade de mandar, lá debaixo, um "vá se foder!" De volta para o rastro da velha. Quantas estão ali? Qual delas deve seguir? Lá está ela, que alívio! Estende os braços para tocar em seu ombro e se depara com um rosto que não conhece. Perde a referência. Não sabe mais o que fazer... Precisa voltar pra casa, mas o fim de semana nem é dela e a velha não está mais ali. Não sabe mais o que fazer...