quarta-feira, 18 de março de 2009

Esquecimento do mundo


John Evertt Millais, Ofélia

Não conseguia dormir. Já passava da uma da manhã e o peito não dava trégua. Que raio de amor é esse que dilacera? Pensava ela. Estava até mesmo cansada de escrever em terceira pessoa. Vivia com medo de se sentir fraca, impotente, resignada às coisas, como sua mãe fazia. Sentia vontade de gritar, mandar à merda, rasgar a pele que revestia o corpo. Nem mesmo o ar conseguia chegar aos pulmões. Tinha o tal do “bolo” no estômago. Estava cansada do “tudo bem”. Talvez tivesse mesmo de passar pelo “luto” do amor, e enterrar de vez o que havia ficado. Não entendia. Já não era a primeira vez que havia levado uma rasteira. E mesmo depois da rasteira continuou a dizer “tudo bem”.
Queria ser ouvida, queria encostar a cabeça, queria um arroubo de paixão, queria um ninho. Estava na casa do amigo, mas a vontade era de sumir. Ainda bem que não estava no apartamento porque lá a janela era alta demais. Tirando isso, sua vontade era de pegar a estrada e enfrentar a madrugada. Hummm, quantos perigos e possibilidades... É! Era melhor ficar por ali e esperar o dia clarear.
Mas que raio de mulher é essa sem coragem? Sai daí, vai embora e some de vez! Ela sabia que não podia voltar pra casa. Ainda bem que o instinto materno falava mais alto que os destrutivos. Mas tava mesmo com vontade... Vontade de voltar pra casa! E se voltasse, os negros estariam deitados sobre seu ventre e não a deixariam. Arranhariam a porta pra estar ao seu lado, recolheriam todas as roupas do varal pra chamar a atenção, não poupariam miados para dizer o tamanho de sua importância. É! Ela precisaria mesmo do esquecimento do mundo. Tomou um Dramin pra dormir, mas a vida continuava rodando...

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