quinta-feira, 3 de julho de 2008

Try a little tenderness

Gustav Klimt, Serpente das águas
Ela acordou cedo, como todas as quartas-feiras em que se preparava para trabalhar.
A rotina de sempre: arrumou a casa, a mala pra viagem, a comida, a água e a areia dos gatos.
Já estava sentindo falta deles, como de costume. E como não sentir, se vinha deles todo o aconchego quando retornava?
Estava feliz, voltaria mais cedo...
Não foi como sempre. O namorado a levou na rodoviária, mas ela nem teve tempo pra se despedir como queria. Ele estava com tanta pressa...
Podia contar nos dedos os anos em que ele não teve pressa, e já estava até acostumada, mas isso a entristecia.
Queria ouvir "eu te amo", mas ouviu "boa viagem".

Achou que significava alguma coisa, como sempre procurou achar.
Pessoa difícil que era ela! Ficava pensando...
Às vezes não se aguentava em ver problemas onde não haviam, em não perceber o lado bom de tantas outras coisas. Ser oito ou oitenta de fato a deixava fora de si. E olha que tentava não ser assim...
Mas era quarta-feira e ela tinha de seguir em frente.
Não teve companhia na viagem. Nem conseguiu dormir no ônibus.
Ficou pensando, pensando...
Foi aí que percebeu um garoto que estava feliz porque ia encontrar o pai. Já era grande, devia ter lá uns vinte anos, e não parava de perguntar aos passageiros se faltava muito para chegar ao destino.
Quão alegre ele ficou ao ver o pai, mas pareceu a ela que o sentimento daquele homem em pé, na plataforma, não era o mesmo. Nem mesmo um sorriso pôde ver em seu rosto.
Quantas vidas a acompanhavam na costumeira viagem semanal. E nem sabia quem eram os personagens dessas vidas...
Quanta história poderia ser contada a partir delas...
Mas era quarta-feira. Tinha de seguir em frente!
O companheiro de sempre faltou. Companheiro de estrada, de estadia, de parada.
Não teve violão, não teve conversa, não teve os momentos gostosos que a faziam sentir a rotina da viagem menos pesada. Então mudou a rotina.
Tinha de seguir em frente!
Há algum tempo não se permitia viver outros momentos.
Dançou, riu, brincou, chegou a sentir as pernas cansadas de tanto se movimentar pela pista de dança.
Mas ainda assim ela queria mais, talvez aquele "eu te amo" que há muito não ouvia.
E ela até sabia que não ia ouvir, vai ouvir, pelo menos agora, da pessoa que espera.
Mas ela ouviu "boa viagem". Ouviu também outras coisas que a deixaram feliz. Recebeu sorrisos de amigos que a têm com carinho. E foi dormir querendo acreditar que esses momentos eram suficientes para deixá-la alegre, satisfeita.
Tinha sido um dia bom.
Mas ela teria ficado mais alegre se tivesse ouvido o "eu te amo" esperado.
Até mesmo um sorriso daquele pai, ao encontrar o filho, teria feito ela sentir a vida menos vazia nessa quarta-feira.
Ela sabia: iria voltar, e podia ter a certeza de que ao menos aqueles "dois" que havia deixado dariam a ela pequenos grandes momentos de ternura... Que gostoso!
Faltava um pouco mais de um dia...

Um comentário:

Alessandra Rosa disse...

Gatona, o blog está cada vez mais bonito, as palavras cada vez mais límpidas. Masssssssssss... tá tudo bem??? Qualquer coisa, me escreve, me skype (rs).
Beijocas