sexta-feira, 2 de maio de 2008

Crina

Autor indefinido
Sua crina era tão opaca que o vento forte mal podia fazer movimentar.
De que servia aquela crina, tão majestosamente emoldurada para protegê-lo da ação dos predadores? Ele estava ali, caído ao chão. Não podia correr por grandes vales e numa suntuosa dança encantar a fêmea com seus movimentos. Não tinha ao menos forças para um relincho, que naquele instante mais significava um grito de socorro.
Carregou por quantos anos, nas costas, aquele amontoado de ferro velho, plástico e papelão que seu dono encontrou pelas ruas?
Não sabia definir o tempo, era um cavalo, e como tal, outra espécie de ser vivo...
Cavalo, Homem, dois seres vivos diferentes. O primeiro, o cavalo, só, sujeito do meio em que foi criado, portanto, subserviente, exaurido, incapaz de refletir sobre o entorno de sua realidade, uma espécie de ser vivo viva, com necessidades e sentidos, vítima do especismo.
O segundo, o carroceiro, só, produto do meio em que foi criado, portanto, violento, insensível, incapaz de ver no cavalo uma espécie de ser vivo viva, com necessidades e sentidos. O homem e carroceiro, era também um especista.
Enquanto especista, fruto de uma noção de homem insana; razão sem fluidez; ausência de aprendizado. Enquanto homem, capaz de se metamorfosear?
O cavalo, caído, mal podia sustentar o peso do corpo.
Foi levado a um campo onde pôde descansar.
O carroceiro sumiu, é verdade, e o cavalo até conseguiu dar algumas trotadas pelo pasto. Teria, sua crina, brilho e leveza algum dia?
Continuava o cavalo no mundo do homem incapaz de se metamorfosear.

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